número 35 (1) / 1995
Eis-nos chegados ao V.º volume de Actas do I.º Congresso de Arqueo-logia Peninsular. Ele aparece como o 1º fascículo do vol. XXXV dos "Trabalhos de Antropologia e Etnologia" (vol. já referente a 1995, e portanto ao ano em que se conclui o mandato da actual direcção) porque neste momento é ainda impossível prever exactamente quantos mais "fascículos" serão neces-sários: se apenas um, se dois, ou mesmo três. Tudo dependerá do eco que tiver a nossa última circular dirigida aos autores em falta (isto é, aos que ainda não nos remeteram o seu original), possibilitando a entrega dos seus textos - impreterivelmente - até final de 1994. Quanto ao financiamento, ele já não nos preocupa tanto como antes, pois, mais ou menos rapidamente, as diversas entidades foram-se consciencializando de que não estavam perante "mais um congresso", e de que este era, e é, algo de tão dignificante para a nossa Arqueologia (portuguesa e ibérica), que seria do próprio inte-resse de tais entidades ligarem o seu nome à iniciativa. O Congresso e as Actas são sem dúvida obra discreta, absolutamente alheia a quaisquer políticas culturais de fachada, ou promoções comerciais e publicitárias, tão em moda, mas afinal muito mais ambiciosa do que isso: visando resistir ao tempo, contribuir para a abertura de uma nova atitude, duradoura, na cooperação criativa dos arqueólogos e historiadores peninsu-lares. Com grandes sacrifícios, mesmo pessoais (muito embora não sejamos apologistas deles; mas por vezes a realidade não nos dá alternativas), temos tentado gerir o melhor possível os parcos recursos logísticos, financeiros e humanos da S.P.A.E., para deixar aqui mais (o que julgamos ser) um marco da edição arqueológica em Portugal. Alguém acreditará, ao compulsar estes volumes, que a nossa "sede" é um cubículo onde apenas cabem (mal se podendo aí mexer) duas pessoas de cada vez, e onde até é impossível, por falta de espaço, instalar o nosso próprio computador? E no entanto é essa a situação a partir da qual temos de gerir problemas administrativos resultantes de cerca de 600 sócios, de cerca de 800 participantes no Congresso, de contactos permanentes com diversas entidades e com a tipografia, etc., etc. Escusado será dizer que a maior parte do trabalho se efectiva nas casas dos vários membros da direcção, com todos os inconvenientes facilmente imagináveis. Temos tentado junto da Reitoria da Universidade do Porto, da direcção da sua Faculdade de Ciências, da Câmara Municipal do Porto e, mesmo, com a Associação dos Jornalistas e Homens de Letras do Porto, encontrar uma solução logística, ao menos, para os problemas de armazenamento de muitos milhares: de volumes que as Actas vão constituindo. Tal dificuldade, aparentemente simples de superar para uma instituição reconhecida de utilidade pública, constituída e activa desde 1918, com projecção interna-cional, tem-se mantido inamovível, embora certamente não por falta de vontade das entidades supracitadas. Da tribuna temporária que mais um preâmbulo destas Actas nos faculta queremos alertar a opinião da comuni-dade científica para esta situação verdadeiramente kafkiana, que urge resolver. É verdade que, desfocando agora o caso da nossa instituição, e colo-cando-nos de um ponto de vista mais geral, subjacentemente a um panorama de crise e de incerteza, os arqueólogos e a Arqueologia portu-gueses têm ultimamente ganhado em "visibilidade" pública. Os orgãos de comunicação social dão crescente (e mais sério) eco a acontecimentos neste campo, os partidos com assento parlamentar querem ouvir-nos (aconteceu já este ano com o PS, na Assembleia da República), o Ministro do Planea-mento reúne connosco para colher sugestões quanto ao salvamento do património da área da albufeira do Alqueva, somos chamados a colaborar em colóquios transdisciplinares com prestígio cultural (como num, recente, da Gulbenkian, em que intervieram dois arqueólogos), etc. Cientes, porém, e com razão, de que só os próprios arqueólogos de poderão defender a si mesmos, cansados que estão de fogos fátuos e de uma absoluta falta de política coordenada para este sector, mais de uma centena de especialistas decidiu ultimamente constituir-se em Pró-Associação Profissional de Arqueólogos, cujo surgimento corresponde basicamente ao mal-estar de uma geração jovem que quer romper - e bem - com a menoridade social a que o arqueólogo em Portugal tem estado desde sempre sujeito. Meno-ridade que por vezes faz dele um ser ressentido, mesquinho, invejoso dos sucessos dos outros, orgulhosamente só mas ávido de umas migalhas de atenção e de meios que o poder por vezes lhe concede, como aqueles pobres na Idade Média que aguardavam que os que comiam lhes atirassem uns restos do alto dos seus balcões. A Arqueologia é uma profissão, um serviço prestado à sociedade, uma actividade cuitural com tanta criatividade e dignidade como qualquer outra que exija grande diversidade de aptidões intelectuais e manuais conjugadas. Pela sua própria natureza, ela está bem colocada para ajudar a superar noções acríticas do nosso senso comum, dicotomias como teoria/prática, dados/interpretações, passado/presente, corpo/espírito, ideia/matéria, natu-reza/cultura, para só citar alguns "quistos" mentais que podem degenerar em verdadeiros cancros se os não soubermos tornear. A Arqueologia abre para outras histórias, para uma pluraridade de passados. E nesse sentido ela pode ser tudo menos a re-presenllação de um "passado" distante e pitoresco, uma "história bem conltada" e devidamente emoldu-rada para consumo fácili e rentabilização imediata, ou um passado "objec-tivo" e caucionado peRo branqueamento asséptico da ciência, mas sim a construção de passados incómodos, questionantes, interrogativos, capazes de pôr em causa o (des)funcionamento da nossa própria sociedade. Como escrevi recentemente, a propósito de uma intervenção que inti-tularam "A Luz da História" e que me foi encomendada pelo Acarte (F. Gul-benkian) no contexto de um ciclo sobre "A Descoberta", mais precisamente na sua sessão sobre "A Prova" (permita-se-nos uma longa citação de parte de um texto apenas distribuído aos auditores): "o que importa sublinhar [ao arrepio daquele(s) titulo(s)], como sugerem por exemplo autores que cola-boram no livro Other Histories (ed. por Ko Hasttup, Londres, Routledge, 1992), é a necessidade urgente de "fazer explodir o conceito ocidental de história através do conceito antropológico de cultura." Por outras palavras, e como os mesmos autores acentuam, questionar os nossos conceitos de "Hístória" à luz de outras histórias, de outras formas de produzir história e de pensar acerca dela. "A história (no sentido de discurso sobre "o acontecido") é uma arena de conflito, como estamos a cada momento a confirmar na actualidade. "Na época modema, a historicidade radical de que fala Giddens criou a ideia de um passado unitário à escala mundial, isto é, procurou apropriar-se do conjunl:o do tempo como base para a mesma hegemonização no que toca à totalidade do espaço, através da descontextualização, do esvazia-mento do tempo e do espaço dos seus antigos valores locais. "Esta historicidade radical articula-se com a tentaüva de proceder a um gigantesco holocausto cultural, o da destruição, ainda em curso, da multipli-cidade das culturas, das sensibilidades, das vivências locais do tempo, subordinadas progressivamente a um tempo calendárico, mecânico, mensu-rável para efeitos económicos, etc. "Assim, é importante enfatizar a variabilidade de percepções do tempo e de formas de constituição da memória colectiva, fazer implodir o passado tal como nos quiseram ensiná-lo, através da voz dada aos mais diversos actores sociais sobre o seu passado, os seus passados. "Os va]ores e significados atribuídos ao tempo são puramente contextuais, e obviamente já não têm qualquer valor as velhas dicotomias entre as sociedades tradicionais ("frias", do tempo cíclico, etc.) e as moder-nas ("quentes", do tempo linear, etc.), pois, como B. Adam mostra bem, no seu contributo para a Companion Encyclopedia of Anthropology (ed. T. lingold, Londres, Roudedge, 1994), ciclicidade e linearidade são dois modos do tempo que coexistem em todas as sociedades e dependem da perspectiva do observador. "Fazendo entrar na história, nas histórias, todos os tempos, sensibili-dades e vivências que aquela por vezes procurou silenciar, será abrirmo-nos a uma enorme riqueza de experiências itinerantes, libertadoras pelo lado da tolerância e da variedade e não pelo caminho linear de quaisquer "amanhãs triunfantes" (triunfantes para alguns, claro, os que se arrogariam a missão de liderarem esclarecidamente os outros - já assistimos a todo o tipo de experiências nessa direcção e ficámos amplamente esclarecidos). "M. Serres (Éclaircissements, Paris, Flammarion, 1994, p. 79) afirmou recentemente: "a razão está estatisticamente distribuída por toda a parte: ninguém pode reinvindicar a sua posse exclusiva." E, adiante, ao falar da nossa imaginação do tempo: "Em lugar de condenarmos ou de excluirmos, rejeitamos determinada coisa para a antiguidade ou para o arcaísmo: já não dizemos "falso", preferimos dizer: "ultrapassado" ou "obsoleto". Dantes, sonhava-se, agora, pensamos; dantes, cantava-se poesia, hoje, realizamos experiências eficazmente. A história é pois a projecção num tempo imagi-nário - imperialista, mesmo - desta exclusão muito real. O corte temporal equivale a uma exclusão dogmática." "O arqueólogo (profissão de quem escreve estas linhas) é o homem que trassforma o "documento" em "monumento"; analisa o lugar, num primeiro momento, para o tentar entender na sua especificidade irredutível, mas com a consciência plena de que nem mesmo ele é um espaço de absoluto que se possa, alguma vez, "captar" numa sua qualquer pretensa "verdade". O sítio é um topos de fluidez, de identidade fugidia, um ponto de fuga para a infini-dade do que se pode imaginar que aí terá acontecido. "Não se trata portanto de procurar nesse lugar elementos para "fazer história" (como a maior parte das pessoas parece andar convencida) - porque nesse caso pôr-se-ia a questão: qual, senão aquela que só importa, no bom sentido, subverter? - mas, sobretudo, de identificar e "registar" um conjunto de pontos de apoio para o trabalho da imaginação sobre as histórias desse sítio concreto." Essas histórias têm uma elasticidade tal que são capazes de fazer da experiência do lugar tanto um nódulo de intimidade obscura como, no extremo oposto da gama de possibilidades, o mundo inteiro, na sua pleni-tude solar. Esta a força, diria brutal, da Arqueologia. Quem, empedernido, poderá afirmar que jamais a viveu? Prosseguiremos. Porto, Abril de 1994 Vítor Oliveira Jorge Secretário-Geral do Congresso para Portugal |
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Preâmbulo Vítor Oliveira Jorge Dos estructuras de habitación de! Neolílico Final en el yacimiento de la «Bàbila Madurell» (Sant Quirze del Vallés, Barcelona) Jaume Diaz Ortells Megalitismo da Bacia do Douro (margem sul) Eduardo Jorge Lopes da Silva Orca 2 do Ameal, Carregal do Sal, Viseu: resultados preliminares José Manuel Quintã Ventura Ortostato grabado de Agolada (Pontevedra): un nuevo motivo en el arte megalítico dei NW Peninsular Ramón Fábregas Valcarce, Rafael Penedo Romero Aproximación al estado actual de la invesligación sobre el megalilismo en Andalucia José Henrique Ferrer Palma Nuevos datos en tomo al dolmen de la Pastora (Valencina de la Concepción, Sevilla) A. Martín Espinosa, M. T. Ruiz Moreno Os chamados «báculos» - para uma interpretação simbólico-funcional Dirk Brandherm Nuevos datos para la contextualización arqueológica de estátuas-menhir y estelas antropomorfas en Extremadura P. Bueno Ramirez, A. Gonzalez Cordero O povoado pré-histórico de Leceia (Oeiras). Resultados das escavações efectuadas (1983-1993) João Luís Cardoso Cerámicas anatólicas en el poblado calcolítico de Les Moreres (Crevillente, Alicante, España) Alfredo González Prats, Eliza Ruiz Segura, Jesús Gil Fuensanta, Romualdo Seva Román Peñalosa. Un proyecto de investigación de la Edad del Bronce en el Alto Guadalquivir Francisco Contreras Cortés Avance preliminar sobre los restos vegelales del yacimienlo de la Edad del Bronce de Peniilosa (Baños de la Encina. Jaén) Leonor Peña Chocarro Evolución del núcleo urbano de Iliberri, El Albaicín, Granada M.ª A. Moreno Onorato, A. Burgos Juarez, M. Orfila Pons Aspectos funcionales de la cerámica ibérica José Manuel Melchor Monserrat Imagen ibérica y problemas de lectura iconológica: el ejemplo de Elche Ricardo Olmos Representaciones figurativas en la cerámica celtibérica pintada de Cauca y el Castro de La Cuesta de Mercado J. F. Blanco Garcia Poblamiento castreño en el Territorio Praviano - concejos de Pravia y Muros dei Nalón - (Asturias) Paloma García Díaz O povoamento da Bacia Superior do Rio Sousa da Proto-História à romanização José Marcelo Sanches Mendes Pinto Dos casos de problament romà (litoral/interior) al País Valencià: La Vall de Xàbia - La Vall dels Alforins Joaquim Bolufer Marqués El espacio público en las ciudades romanas de Catalunya Carme Roestes i Bitrià En torno a la urbanización romana en el interior de la actual Cataluña. La arqueología de lesso (Guissona, Lérida) Joseph Guitart i Ourém, Joaquim Pera i Isern La ceramica terra sigillata hispanica avanzada (TSH) de Clunia: segunda mitad del S. III d. C. F. Tuset i Bertrán, J. Buxeda i Garrigós Economía lychnológica hispana: valoración actual del processo de manufactura de lucernas en época romana y su inserción en el contexto mediierráneo Dario Bemal Casasolia Piezas singulares de una estancia del area comercial del foro de Pollentia A. Arribas, N. Doenges Fortificaciones y caminos medievales. Nuevas perspectivas para su estudio José Avelino Gutierrez González, Carmen Benéitez González La excavación en la iglesia de Sant Jaume Sesoliveres (Igualada, Barcelona) Alberto López Mullor, Javier Fierro Macía, Àlvar Caixal Mata Planeamíento y proyecto de la Arqueologia Histórica en la Bahía da Cádiz (España) José António Ruiz Gil Buscastell, un sistema hidráulico andalusí en Ibiza: lo viejo y lo nuevo Miquel Barceló, Mercè Argemí, Helena Kirchner, Carmen Navarro Estudios recientes sobres agricultura y alimentación vegetal a partir de semillas y frutos en Catalunya (Neolítico - 2ª Edad del Hierro) R. Buxó i Capdevila, N. Alonso, D. Canal, M. Català, C. Echave, I. González El ejercicio profissional de ía Arqueología en España M.ª Angeles Querol, M.ª Luisa Cerdeño, M.ª Isabel Martínez Navarrete, Francisco Contreras Teoria para una praxis. Splendor "realitatis" Teresa Argelés, Adelina Bonet, Ignacio Clemente, Jordi Estévez, Juan Gibaja, Luis G. Lumbreras, Raquel Piqué, Marcela Ríos, María Angela Taulé, Xavier Terradas, Assumpció Vila, Germà Wünsch |