número 37 (3-4) / 1997
Concluímos com este tomo o vol. XXXVII dos "Trabalhos de Antropologia e Etnologia" e, com ele, o "dossier" que, graças à colaboração de Brian J. O'Neill, do ISCTE, dedicámos ao tema "Herança e Família em Portugal".
Continuamos a manifestar uma total receptividade em relação à colabo-ração, nas nossas páginas, de elementos da ampla comunidade de investi-gadores das chamadas ciências sociais e humanas, ao serviço de cuja criatividade se encontra esta revista, que já faz 80 anos em 1998. A única condição (para além da óbvia qualidade dos respectivos textos) é que estes não sejam exclusivamente técnicos, isto é, contenham elementos capazes de interessar pessoas exteriores ao domínio particular em que cada um investiga, ou com que cada um especialmente se preocupa. Não se trata, naturalmente, de apelar a trabalhos de divulgação, que terão outro(s) lugar(es), mas de artigos que se situem nas zonas de sobreposição de vários campos tradicionais do saber ou, mesmo, os atravessem transversalmente. Sabemos como isso é difícil, sem cair em simplismos, reducionismos, meras metáforas que não abrem nada de novo, antes tornam ainda mais opacas as ideias, ou disfarçam ignorâncias. Mas é no problemático, gerador de outros pensamentos e portanto de crítica, é onde está o risco, que dá gosto, de facto, apostar, e é aí que esta publicação se pode tomar comple-mentar de outras já existentes, nomeadamente "universitárias", onde a tendência para o "entricheiramento" em diferentes "campos" é, por vezes, na prática, inevitáveL Conhecemos bem, através da nossa actividade profissional, onde temos assistido a (ou participado em) muitas provas académicas, o perigo desse endausuramento, a que certamente nós próprios não escapamos. Pessoas interessantíssimas na sua relação quotidiana, inquietas, problematizantes, vivas, quando submetidas a avaliação pública naquele contexto académico (doutoramento ou, sobretudo, agregação), refugiam-se por vezes em temas e em métodos que, sem deixarem de ser sérios, trabalhosos, e eventual-mente úteis, se podem tornar eventualmente fastidiosos para o auditório, transformando tais provas mais em "ritos de passagem", onde amiúde se vê o candidato sofrer, espartilhado por constrangimentos inibidores, do que em exercícios de verdadeira criatividade científica e cultural. Até as expres-sões menos canónicas ou os desabafos mais pessoais se podem tornar aí tropos previsíveis que têm o efeito de acentuar o mero simbolismo do acto. A argumentação nem sempre vai aos problemas de fundo, incómodos, refugiando-se antes na erudição descritiva ou em metáforas que não ques-tionam o peso acumulado das coisas consabidas. Terá de ser tão frequen-temente assim? Os "Trabalhos de Antropologia e Etnologia" quereriam ser um espaço mais de "respiração" científica e cultural onde, definitivamente, ao nível dos textos, não fosse assim. Damos dois exemplos. Existe uma Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobri-mentos Portugueses. Toda a gente sabe que a palavra "descobrimentos" não é pacífica; descobrimentos de quem e por quem? Encontro de culturas diferentes- sem tirar o mérito àqueles que, por vezes com risco das próprias vias, as promoveram - talvez. Por que não então, para variar, promover um debate que se poderia intitular, por exemplo, "A História ao Invés", em que se convidassem historiadores e/ou antropólogos (a distinção é muitas vezes convencional) desses países antigamente "descobertos", para dizerem, do ponto de vista deles, como foram esses contactos, e como se desenvol-veram até hoje? Como nos foram "descobrindo" os por nós supostamente "descobertos"? E como reagiriam os nossos historiadores (e/ou antropó-logos) de hoje a essa visão descentrada? Era importante, então, convidar estes últimos para também se exprimirem. Dir-se-á que a ideia não é nova, tem vindo a ser posta em prática. Sim, mas sectorialmente. Que saibamos, nunca foi programada uma reunião global dessa natureza. Outra questão: a presença da cultura portuguesa no mundo é, muitas vezes, encarada sob a forma de "embaixadas" em que alguns dos nossos "notáveis" (normalmente escritores e artistas) vão lá fora mostrar o que são e o que fazem. Está bem, mas não seria também importante, não tanto promover "semanas culturais portuguesas" aqui ou ali (as quais natural-mente têm já um público definido, talvez não muito expansível), mas asse-gurar a presença dos nossos "pensadores" em debates internacionais onde, de igual para igual, se focassem questões da contemporaneidade? Portugal não se afirmaria assim talvez melhor, até por ser uma actividade até aqui menos praticada, ou só exercida a título individual ou de pequenos grupos especializados? Onde estão - em revistas, simpósios, debates críticos - os nossos intelectuais, nos grandes fóros do momento? Fala-se tanto da construção da Europa, e não só da Europa económica, mas sobretudo cultural. Porém, como é possível contribuir para tal, enviando apenas emissários dos nossos - com o devido respeito - "produtos típicos"? Dar a conhecer a realidade nacional é útil, mas promover, programada e atempa-damente, a presença portuguesa no cerne dos debates contemporâneos, é estrategicamente também muito importante, do nosso ponto de vista. Será que alguém quer pegar nestas "deixas" e iniciar, sobre esses e outros assuntos, um debate actual, sob a forma de textos de reflexão a incluir nesta revista? Porto, Março de 1997 Vítor Oliveira Jorge |
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Preâmbulo Novas perspectivas sobre sociedades de caçadores-recolectores. Revisão crítica de "Man the Hunter" Sérgio E. Monteiro-Rodrigues O que podem as emoções? - Antropologia histórica do Vinho do Porto Henrique Costa Gomes de Araújo Um modelo historiográfico para a Idade do Ferro do Sul de Portugal e a sua arqueologia Virgílio Hipólito Correia Réplica a Virgílio H. Correia Jorge de Alarcão Teologia moral e relações de parentesco. Leitura antropológica do livro "Practica do Confessionário" de 1737 Fernando Matos Rodrigues, José Augusto Maia Marques Managing a new rock art site Jane Kolber DOSSIER - FAMÍLIA E HERANÇA EM PORTUGAL Nota de apresentação Brian Juan O'Neil A posição familiar dos jovens no século XVIII Álvaro Ferreira da Silva A família como ideologia e prática na indústria têxtil do Noroeste de Portugal na época de Salazar, 1930-70 Alice Ingerson Casas suburbanas e estilos de vida rurais no Sul de Portugal Denise Lawrence-Zúñiga Vila Velha revisitada: anti-anti Cutileiro? Francisco Martins Ramos Comunidade, espaço, localidade - algumas reflexões suscitadas por um estudo de caso José Manuel Sobral Posfácio - O encontro da história e da antropologia em Portugal Georges Augustins |