número 39 (1-2) / 1999
Como já vem sendo hábito, o primeiro tomo (fascs. 1-2) dos TAE de um ano - neste caso, 1999 - fica pronto no fim do ano anterior, e já estamos neste momento a coligir colaborações para o segundo tomo deste vol. 39. Ao enviarem-nos os seus originais, os autores sabem que podem contar com todo o nosso empenho na rápida divulgação do seu trabalho; e, se conseguirmos manter este ritmo, e qualidade, certamente os TAE se imporão cada vez mais como um espaço editorial privilegiado nas ciências sociais e humanas em Portugal, adentro das publicações periódicas não comerciais. O que é essencial é que as entidades que nos apoiam financeiramente - e a quem mais uma vez exprimimos o nosso reconhecimento, cônscios embora de que não nos prestam um favor, mas concretizam, connosco e também graças a nós, um serviço ao país - o façam dentro de timings minimamente compatíveis com o desejável ritmo de produção de uma revista como esta. É esse ritmo que capta colaborações (naturalmente não pagas) de qualidade, porque os autores gostam de ver publicado o produto do seu trabalho (desinteressado, na medida em que as pessoas apenas se esforçam por aumentar o seu "capital simbólico"). Ora, é absurdo continuar-mos à espera, no fim de um ano, de verbas que se destinam a cobrir gastos feitos muitos meses antes, ao mesmo tempo que nos estamos a compro-meter com autores para futuros tomos e volumes da revista, em relação aos quais não sabemos se vamos ter as respectivas condições materiais. Como todos sabemos, não é pelo número de exemplares que se vendem nas livra-rias que uma revista destas subsiste; e, se não tiver apoios financeiros, proporcionais ao seu reconhecido mérito, e preço de custo, ver-se-á estran-gulada até ao fenecimento. Ou, então, as quotas dos sócios - a quem os TAE, estatutariamente, em primeira mão se dirigem - terão se subir de tal maneira, que muitos abandonarão a Sociedade, perdendo também os estu-dantes de licenciatura a regalia actual de só pagarem metade dos mon-tantes das quotizações. Mas sobretudo é de acentuar que uma grande fragilidade financeira não permite planear a prazo o conteúdo da revista - como, por ex., os desejados volumes temáticos - obrigando-nos a "navegar à vista", a viver num improviso permanente, e a aceitar reconhecidamente os textos de qualidade que os autores, quando podem e querem, nos dão. E se há colegas que prestimosamente se esforçam para, a curto prazo, nos enviarem os seus originais, outros existem que, há anos, nos prometem textos que dizem estar "quase prontos" e que, afinal, nunca chegam. Se os TAE estivessem à espera desses prestimosos colaboradores, já teriam parado há muito ... Só quem acompanha o nosso esforço diário poderá valorizar o autêntico acontecimento que é a saída de cada tomo como aquele que o leitor tem na mão! E, no entanto, esta nossa actividade de editing ainda é pouco valori-zada em Portugal, mesmo em termos curriculares, universitários. Certos colegas, conhecendo o empenho militante com que, em qualquer ocasião propícia, solicitamos artigos para a revista, chegam a mal disfarçar um sorriso irónico. Vivemos numa época de "vultos fugitivos", em que todos procuram refugiar-se em suas casas (se possível, segundas residências, sem telefone) para "realizar a sua obra", ou correr de aeroporto em aeroporto para "produzir a sua imagem". É já raro encontrar um colega que não esteja a chegar de um sítio ou a partir para outro, parecendo felicíssimo com isso (ou lamentando-se por isso, mas sem consequências), quando não nos comunica apenas a sua ausência através de gravação telefónica. Subjacente a tudo isto está a miragem de que o indivíduo é o único locus da criação, independentemente da comunidade em que se insere. Essa comunidade é hoje, frequentemente, volátil: ou é o colectivo abstracto dos comunicantes internéticos, ou o lado-de-lá dos espectadores que nos aguardam nos anfiteatros e auditórios, nesta extenuante deambulação em que andamos, e onde é raro encontrarmos um amigo, isto é, um interlocutor com espessura, ou simplesmente a surpresa do encontro fascinante. Maior número de pessoas deveria consciencializar-se de que, sem a constituição de um verda-deiro meio-ambiente de diálogo, de passagem de informação, de descon-traído debate de ideias, de estímulo democrático à criação intelectual - não confundir com a promoção de verdadeiros gurus mediáticos, quase inaces-síveis, o que é exactamente o contrário do desejável - não há verdadeira alegria em gozar a vida, incluindo o que nela se convencionou chamar o conhecimento, ou fruição científico-cultural. Porque o grande desafio da sociedade democrática é a permanente luta contra a exclusão, mesmo sob as suas formas mais subtis, que passam pela auto-exclusão de muitas pessoas que nem numa livraria entram (porque esta as amedronta), quanto mais num colóquio sobre um tema que, pela maneira como é apresentado, imediatamente se rodeia da aura de templo para uma minoria de eleitos. Mas, se todos aceitarmos ser excluídos do tempo do convívio e do ócio, em que as boas ideias surgem e as afectividades se geram, bem podemos "acelerar o ritmo" que seguramente não chegaremos a lado algum, senão ao da exaustão desencantada. Esse "ócio" inclui também o espaço-tempo para nos envolvermos no empenhamento cívico e na inter-venção nas grandes questões sociais em jogo - sob pena de o fechamento, a que nos obriga o estudo sério para formar opinião ou elaborar um trabalho de investigação, produzir, perversamente, a nossa castração como cidadãos. De facto, vê-se, com inquietação, um crescente número de pessoas apenas preocupadas com a sua carreira, revelando uma total indiferença pelos outros, pelo trabalho colectivo e pela coisa pública, o que mostra que, se o nível escolar e cultural tende a aumentar em Portugal, muito ainda há a fazer no âmbito da educação cívica, sem a qual uma sociedade se frag-menta. Os cidadãos devem associar-se para tentar resolver problemas comuns, e devem perceber que algo têm de "dar em troca" (independen-temente dos seus impostos) para os benefícios que esperam da sociedade - quanto mais não seja um conjunto mínimo de serviços, incluindo a segu-rança pública, de que basicamente dependem. O individualismo extremo, o egoísmo, a falta de disponibilidade para os outros, bem como a a instrumen-talização de lugares de chefia para promoção pessoal, a formação de novas clientelas, os "beija-mão do poder", sempre acompanhados de um pano de fundo de medo e de repulsa pelos livres-pensadores, estão a emergir de novo e, para além de serem formas de boçalidade, ou de falta de educação democrática, representam por vezes sinais inquietantes de um novo tipo de subtil autoritarismo, extremamente pernicioso, que há que combater em todas as frentes. Até porque esse autoritarismo se arma da fachada da ciência, ou da cultura, ou do diálogo, ou da sedução, numa palavra, não é brutal, mas asfixia sorrindo sempre. Concluímos, aconselhando vivamente ao leitor dois livrinhos de bolso recentes que nos fascinaram: "Reinventar a Democracia", de Boaventura Sousa Santos (Lisboa, Gradiva, 1998, col. "Cadernos Democráticos" da Fund. Mário Soares, n.º 4); e "Contrafogos", de Pierre Bourdieu (Oeiras, Celta Editora - projecto editorial que está tendo um papel decisivo no campo das ciências sociais em Portugal, pela qualidade e ritmo de saída das suas produções - 1998). É difícil invocar falta de tempo - ou até de dinheiro para ler obras tão estimulantes! Porto, Novembro de 1998 Vítor Oliveira Jorge |
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