número 33 (1-2) / 1993
O que é que este congresso tem de novo? Resposta breve em sete pontos. Reportando o leitor destas Actas para as várias circulares emitidas antes do Congresso e para o seu Livro-Guia, já editado, sintetizarei aqui apenas, de forma esquemática, aquilo que, do ponto de vista do coordenador este Congresso pretende ter de específico. O que o distingue de tantas outras realizações anteriores, locais, regionais, ou nacionais. 1. Este congresso foi longamente planeado Tendo a ideia ocorrido em finais de 1990, começou a ser trabalhada em inícios de 1991, sobretudo através de uma primeira entrevista com colegas de Madrid, nesta cidade. Os grandes objectivos foram fixados numa circular que se principiou a difundir em Portugal e Espanha ainda nesse ano. Partiu-se de um princípio óbvio: uma realização desta natureza e amplitude tem de ter um tempo de maturação, a mensagem tem de chegar aos destinatários contando com um período de inércia, Sobretudo em países como os nossos em que se está habituado a improvisar, o que, tendo méritos, é, sob outros pontos de vista, marca de um certo, permita-se-me a expressão intencionalmente forte, "sub-desenvolvimento" organizativo, que nos interessa sobremaneira ultrapassar. Planificar não significa ser rígido: pretende apenas corresponder ao traçar de um projecto que terá de ser vivo, em reestruturação permanente, e capaz de acolher até ao fim as ideias úteis, mas viáveis, evitando a anarquia e o atropelo de última hora. A indisciplina é que cria o favoritismo, a não hierarquização de prioridades, o gasto inútil de tempo e de dinheiro, a perda de qualidade. Um plano, portanto, só interessa temporariamente, como esquema, ou modelo, orientador. O que é importante é toda a interacção (de pessoas, de ideias, de projectos) que se gerou ou vier a gerar antes, durante e após este Congresso. Assim como se iniciou em 1991, o processo só estará terminado muito depois do evento propriamento dito, em 1995, quando se publicar o 6.º e último volume de Actas. Também aqui se planificou, para facilitar, inclusiva-mente, os pedidos de apoio e o financiamento por parte de entidades sujeitas ao espartilho dos orçamentos anuais. 2. Este congresso teve uma selecção de qualidade Constituída uma comissão científica portuguesa e outra espanhola (necessariamente proporcionais à dimensão dos respectivos países), estas reuniram separadamente em 1992, seleccionando as propostas de comu-nicação (entretanto remetidas pelos arqueólogos e outros investigadores) em três tipos: as que seriam apresentadas oralmente, as que se traduziriam num "poster" a afixar durante o Congresso, e, finalmente, as (raras) que não interessavam aos objectivos do mesmo. Previamente definiu-se que 1/3 do tempo disponível nas secções I, II, III e IV seria preenchido com comuni-cações sobre Portugal e 2/3 com comunicações sobre o Estado Espanhol. E que objectivos eram aqueles? Qualidade e novidade, basicamente. Apresentar, se possível pela primeira vez, o que de melhor se tem feito ulti-mamente na Arqueologia ibérica, em todos os períodos ou temas, segundo todas as perspectivas metodologicamente credíveis. O tratamento, em termos de publicação, das comunicações orais e dos "posters", foi e continuará a ser absolutamente idêntico. Muitos contributos foram seleccionados como "poster" não porque tivessem menor qualidade do que outros, mas apenas porque talvez fossem menos susceptíveis de fomentar o diálogo; ou então porque "chegaram" até nós mais tarde e o programa já estava, então, preenchido. Aqui as dificuldades de comunicação entre as múltiplas equipas de arqueólogos ibéricos jogaram contra nós; apesar de todos os esforços, a notícia não chegou a toda a parte ao mesmo tempo e muitos apenas se aperceberam recentemente da existência ou da importância do Congresso. O que só mostra a urgência de se criar uma estrutura organizativa que ponha todos os profissionais em relação entre si e que, inclusivamente, possa servir de suporte à realização de novas inicia-tivas trans-nacionais. 3. Este congresso tenta eliminar fronteiras Apesar das características comuns da nossa mundividência ibérica, tanto hoje como no passado, não tem havido um foro onde debater questões e intercambiar conhecimentos que interessam a todos os especialistas, e demais público, peninsulares, para além de fronteiras políticas, administra-tivas, ou outras. À identidade por exclusão, tão frequente até hoje, não será preferível a identidade por inclusão sucessiva: se sou português ou catalão, sou também hispânico, europeu, cidadão desta península da Ásia que é a Europa, etc ... ? Para nós, portugueses, entendermo-nos com os nossos vizinhos peninsu-lares é uma condição de integração europeia sem de identidade. Esta não se conquistará, decerto, por enquistamento localista ("não preciso de sair da minha aldeia para conhecer o mundo todo") nem por desenraizamemo cosmopolita, no mau sentido (o do "dandismo" intelectual que só se compraz com as novidades "que acabam de sair", e de sensação em sensação, nada constrói). Conquistar-se-á, a meu ver, num equilíbrio e numa abertura permanente à realidade. Em cada um de nós há múltiplas facetas, e em todos nós há momentos em que se precisa de afirmar um "núcleo duro" que nos dá coerência. E o percurso constante entre os dois extremos é inevitáveL Esta elasticidade exige o apagamento das fronteiras mentais, O sentirmo-nos à-vontade em qualquer ponto do mundo. Por isso, desde logo, as fronteiras entre arqueólogos espanhóis e portu-gueses são ridículas. É preciso promover acções comuns a todos os níveis, quer sejam escavações, colóquios, livros, exposições, etc. etc.! 4. A este congresso subjaz uma perspectiva abrangente Porque procura abarcar toda a Península, em todas as épocas, segundo todos os prismas que os investigadores que no Congresso colaboram enten-dam utilizar. Porque integra uma sessão sobre ciências naturais e exactas aplicadas à Arqueologia, e acolhe uma workshop sobre radiocarbono, além de se debruçar sobre assuntos de teoria e de metodologia, Só o tempo disponível nos condicionou, no sentido de não termos possibilidade de criar mais secções ou temáticas especializadas, as quais, no entanto, poderão ser contempladas em próximos congressos, como a Arqueologia subaquática, por exemplo. A Arqueologia, para nós, não se articula apenas com testemunhos mais ou menos remotos ou com a realização de escavações. A Arqueologia é um modo de ver. De olhar o mundo de objectos (no sentido mais amplo do termo), feitos pelo homem, que nos rodeia. Objectos esses que são imedia-tamente observáveis, ou que apenas se pressentem à superfície do solo, ou até que jazem no seu interior e só são revelados por métodos científicos. Que fazer com essa realidade que herdámos? Como ordená-la, como dar-lhe sentido(s)? Este o problema da Arqueologia. Não há ciência, ou ramo do saber humano, mesmo o mais empírico, com que ela não tenha que ver. Não há pessoa que lhe deva ser indiferente, a não ser por ignorância. A Arqueologia está nas calçadas em que caminhamos, nas fachadas dos prédios por que passamos, nos muros e no ordenamento dos campos que percorremos, no aspecto das serras que contemplamos, em suma, no ambiente em que vivemos e na qualidade do ambiente que temos e que desejamos ter. A Arqueologia é tão útil ou tão inútil como outra ciência humana qualquer: não cura doenças, não faz estradas, não julga processos, Mas, tal como acontece com a história ou a música, muitos de nós não poderíamos viver sem ela. Faz parte da nossa apreensão do mundo, da sua riqueza, da sua diversidade, do seu prazer. E há cada vez mais gente que não acha graça nenhuma a apenas chegar cada vez mais depressa a um lugar igual ao anterior, como se estivesse sempre no mesmo sítio. A Arqueo-logia qualifica a paisagem, dá valor à viagem, vive da variedade da expe-riência humana plasmada no que resistiu ao tempo, e que afinal, apesar de todas as catástrofes, foi muito. Fala-nos de outras humanidades, ajuda-nos a compreender e a aceitar a diferença. 5. Este congresso é um congresso jovem Atento à novidade, e realizando-se na Faculdade de Letras da Univer-sidade do Porto, este congresso procura que nele esteja comprometida (no bom sentido, é claro) toda a Academia, do Reitor ao estudante do 1.º ano. No secretariado do Congresso e nas sessões, como autores de comuni-cações ou "posters", ou simplesmente na assistência, há muitas centenas de jovens (de numerosas universidade, acrescente-se) envolvidos nesta reali-zação. De notar, porém, que não há aqui demagogia ou mitificação da juven-tude pela juventude. O que importa são as ideias criativas, vindas de que quadrante vierem. A qualidade (normalmente associada ao trabalho contínuo, mas também a alguma "genialidade") impõe-se por si mesma, mais cedo ou mais tarde, apesar de todos os entraves que os burocratas da vida se comprazem em lhe criar, encarquilhados pela consciência da sua própria mediocridade. Sem nunca os agredir frontalmente, dando-lhes desse modo armas para mais facilmente nos abrandar (e se possível até utilizando-os com alguma habilidade), sem nunca abrandar no esforço e na procura de rigor, há que prosseguir tenazmente, se se quiser sair da bana-lidade e da tendência para a periferização do nosso quotidiano. Estar no cerne das pesquisas e dos debates, lado a lado, sem complexos, com os maiores investigadores actuais com quem podemos sempre interagir, na frente onde o vento novo das ideias agita e desfaz a compostura cinzenta dos lugares-comuns, sem inveja nem despeito, mas com felicidade ao veri-ficar o progresso dos nossos pares e alunos, eis o nosso programa. Este o espírito generoso com que se procurou animar o presente Congresso. Asso-ciando voluntarismo (sem o qual se fica parado) com realismo (sem o qual se choca no primeiro obstáculo). 6. Este congresso quer ser um congresso eficaz A palavra eficas não tem obviamente aqui uma conotação tecnogrática. Pretende significar uma boa adequação dos meiso aos fins. Os fins são romper com a tendência para o isolamento ou regionalismo que a todos, profssionais da Arqueologia, nos afecta; articular melhor os arqueólogos portugueses com os de outras regiões da península, por forma a estimular projectos de trabalho em comum; em suma, incrementar o diálogo e o fluxo de conhecimentos e de ideias. E publicá-los rapidamente, superando as negativas tradições de congressos anteriores que nunca viram as Actas dadas à estampa (ou só as viram parcialmente). Na época do correio electró-nico, é ridículo esperar anos pela publicação do trabalho de um colega, que por vezes tanta falta nos faz. É também importante chamar a este foro cada vez mais arqueólogos estrangeiros (interessados em trabalhar na Península, ou tão só em discutir as questões que a sua Arqueologia levanta num quadro mais vasto) e "cientistas", detentores de saberes e do manejo de equipamentos que nos são imprescindíveis, e com os quais temos de aprender a dialogar cada vez melhor, para que o resultado não seja uma simples sobreposição dos dados deles aos nossos, mas uma verdadeira articulação. Com respeito mútuo, e sem ambições de "colonização" de umas disciplinas por outras, mas com a natural concorrência (no bom sentido) que entre todas forçosamente tem de existir. Os progressos da Arqueologia também se medem pela quanti-dade de análises científicas de que pode dispor e pelo número de contactos internacionais de que os seus autores usufruem. Eficácia, sim, a todos os níveis. Sem nunca esquecer que a Arqueologia é uma ciência empírica, e que se não há carácter mais abstracto do que o daqueles "dados" que se recolhe quando se fetichisa o concreto, mas também não há maior miséria do que refugiarmo-nos na "teoria" só porque esta se pode fazer no ar condicionado do café, e o Estado até nem dá dinheiro para escavações. O processo, ou avança a todos os níveis, ou marcha com deficiências para avariar em breve, revelando toda a impo-tência de um sistema que não joga, com eficiência, em vários planos simul-tâneos. Um Congresso bem organizado é um exemplo desta recusa da dico-tomia teoria-prática: há que criar uma "ecologia do diálogo" favorável, ou este sairá prejudicado. Oxalá o tenhamos conseguido proporcionar aos con-gressistas, dentro das deficientes condições logísticas de que de momento dispomos, e que nos ultrapassam. 7. Este congresso espera ser o primeiro de uma série Ou seja, ambiciona criar uma dinâmica em que se sinta como necessária, ao bom desenvolvimento da Arqueologia ibérica, a realização periódica de congressos do mesmo género, muito embora com figurinos adaptados aos interesses de cada momento. Esses congressos poderiam cada vez mais ser orientados para a valorização de projectos de equipas dos dois países, ou para a discussão de temas ou questões resultantes do desenvolvimento de tais projectos. Ou seja, deveriam ter objectivos e metodologia que os distinguissem claramente dos congressos nacionais de Arqueologia de cada país, isto é, que se não sobrepusessem àqueles. Poder-se-iam realizar em cidades onde existissem condições para sua organização, a todos os níveis, desde a presença de equipas de investigadores a condições logísticas adequadas à concentração de um grande número de pessoas. Que estes congressos funcionem como uma espécie de "assembleia magna" dos aruqólogos ibéricos, expressando não só os resultados do seu labor, como os seus legítimos anseios científicos e de afirmação profissional, são os meus votos. E nessa designação de "arqueólogos ibéricos" permito- -me aqui enlaçar, não só os jovens candidatos a tal, como os outros cien-tistas que trabalham em estreita articulação com a Arqueologia e lhe prestam relevantes serviços, como ainda os colegas de outros países que escolheram ou venham a escolher qualquer espécie, dos bloqueios burocratizantes. Mantendo os direitos de todos, através do diálogo, que nem sempre é fácil, mas é a única via para o entendimento e para o trabalho frutuoso em comum, almejamos, sem ingenuidade mas prestando o nosso contributo, criar um espaço aberto que, a prazo, a todos bene-ficiará. Pelo prazer e pela felicidade de "projectar passados" desta multi-forme terra ibérica. Não posso terminar sem um agradecimento a todas as entidades, individuais ou colectivas, que contribuiram para o bom êxito desta inciativa. Permita-se-me destacar, sem esquecer as restantes, os secretários gerais para Espanha, Profs. Rodrigo Balbín Behrmann e Primitiva Bueno Ramirez, da Universidade de Alcalá de Henares, que desde o início prestaram a sua melhor colaboração a partir de Madrid, e a Reitoria da Universidade do Porto e Direcção da sua Faculdade de Letras, que nos serviram de acolhe-dores anfitriões. Porto, Outubro de 1993 Vítor Oliveira Jorge Secretário-Geral do Congresso para Portugal |
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Preâmbulo Vítor Oliveira Jorge A estação mesolítica do Forno da Telha (Rio Maior) Ana Cristina Araújo Apendix - Mesolithic animal banes from Forno da Telha, Portugal Peter Rowley-Conwy A análise dos vestígios de uso em quartzito João Paulo Pereira Contribution a l'étude de l'art mégalithique peint iberique Marc Devignes Megalitismo e tradição megalftica no Centro-Norte Litoral de Portugal: breve ponto da situação Fernando A. Pereira da Silva Reutilizações e reaproveitamentos de materiais em sepulturas megalíticas do Nordeste Alentejano Jorge Oliveira La secuencia cultural durante la prehistoria reciente en el sur de la Meseta Norte española J. Francisco Fabián Garcia O povoado do Castelo Velho (Freixo de Numiio, Vila Nova de Foz Côa) no contexto da Pré-história Recente do Norte de Portugal Susana Oliveira Jorge Castelo Velho - Análise antracológica (1.º relatório) Isabel Figueiral Descrição resumida dos trabalhos de prospecção geofísica realizados em Castelo Velho Abílio Cavalheiro, Jorge Carvalho Buraco da Pala (Mirandela): datas de Carbono 14 calibradas e seu poder de resolução. Algumas reflexões Maria de Jesus Sanches, António M. Monge Soares, Fernán Alonso Mathias Las sociedades complejas del Calcolítico y Edad dei Bronce en la Península Iberica Margarita Díaz-Andreu Instruments rotatifs dans l'orjevrerie de l'Âge du Bronze de la Péninsule lbérique. Nouvelles connaissances sur la technique des brecelets du type Villena/Estremozu Barbara R. Armbruster El aprovechamiento del media natural en la cultura castreña del Noroeste peninsular Carlos M. Rodriguez Lopez, Carlos Fernandez Rodriguez, Pablo Ramil Rego Sondeo estratigrafico en Basti (Baza, Granada) N. Marin Diaz, J. M. Gener Basallote, M. A. Perez Cruz Arqueologia e epigrafia - uma complementaridade a potenciar José d'Encarnaçâo El estudio y valoración de las técnicas constructivas romanas en la Península Ibérica. Analisis historiográfico Lourdes Roldán Gómez Una nueva produccion de lucernas en la Peninsula Iberica: el taller militar de Herrera de Pisuerga (Palencia, España) Angel Morillo Cerdan Las imitaciones locales o regionales de sigillatas grises galicas tardias halladas en las termas romanas de Gijon (Asturias) Alexandra Uscaiescu, Carmen Fernandez Ochoa, Paloma Garcia Diaz La colegiata de San Pedro de Teverga (Asturias). Hipotesis sobre su morfologia altomedieval Raquel Alonso Alvarez Arqueologia medieval en Galicia: balance y perspetivas a partir de experiencias recientes Jorge Lopez Quiroga, Monica Rodriguez Lovelle Antropologia de duas necrópoles medievais do Norte de Portugal: Fão e Chafé, um exemplo de duas escavações «antagónicas» Eugénia Cunha, Ana Maria Silva, Teresa Araújo, Carmo Marrafa, Ana Luísa Santos Edafologia y Palinologia: aplicacion al estudio de yacimientos al aire libre en Galicia Antonio Martinez Cortizas, Pablo Ramil Rego, César Llana Rodriguez Estudio de fitolitos en dientes como indicadores de patrones de dieta y su aplicación en arqueologia Jordi Juan, Charles Lalueza, Jordi Nadal Calibrado de las fechas convencionales de Carbono-14 Cecílio González-Gómez |