número 39 (3-4) / 1999
Este é o sétimo tomo dos TAE que produzimos, desde 1996, de acordo com a nova estratégia da revista após a publicação das Actas do 1.° Con-gresso de Arqueologia Peninsular (1993-1995) - um espaço de reflexão inter-disciplinar que, embora ancorado na antropologia, está aberto à totalidade das ciências sociais e humanas. É assim que o leitor encontrará de novo, aqui, estudos, ensaios, infor-mações diversas, interessantes para a antropologia, a arqueologia, a socio-logia, a história, a própria filosofia. Contribuem para a temática destas páginas, a par de alguns autores (por sinal, e para sermos mais precisos, autoras!) mais jovens, outros que são já figuras bem conhecidas da nossa vida científica e universitária. A participação de todos, que agradecemos, orgulha-nos muito, e anima-nos a prosseguir, até 2001, no caminho traçado e ratificado pelos sócios nas eleições, de Fevereiro último, dos corpos sociais para o presente triénio. Não falta mesmo, no fim deste tomo, e graças à colaboração de uma outra entidade, de formação recente - a ADECAP (Asso-ciação para o Desenvolvimento da Cooperação em Arqueologia Peninsular) - um primeiro esboço de resenha dos arqueólogos portugueses, que será desenvolvido em ulteriores trabalhos, e constituirá decerto um útil elemento de consulta, permanentemente corrigível e actualizável. A vitalidade das ciências sociais e humanas em Portugal é, neste momento, um fenómeno de assinalar. Cada vez nos consciencializamos mais, todos, da sua importância vital para o conhecimento do país, para a sua reflexão sobre si próprio, para a sua modernização, e, passados 25 anos sobre o 25 de Abril, para a consolidação e aprofundamento da vida demo-crática que permitiu que essas próprias ciências emergissem do obscu-rantismo anterior. O debate aberto, o estudo aprofundado de todas as questões, o reforço do associativismo, a descentralização das realizações e dos eventos, o pluralismo das iniciativas e dos pontos de vista, a consciência de cidadania, a assunção da responsabilidade colectiva na construção do país, são factores decisivos para a melhoria da qualidade de vida e para a atmosfera de criatividade que actualmente respiramos. Sem elas esta revista, respeitada por colegas do mundo inteiro, não seria hoje possível. Como seriam impensáveis inúmeras iniciativas, que se multiplicam por todo o lado, tendentes a reflectir sobre importantes questões da actualidade, que sendo turbulenta e problemática, aguça a nossa imaginação no sentido de a conhecermos melhor e de mais eficazmente contribuirmos para a solução de tantos impasses que ainda nos afligem. O ano de 1999 será importante, em particular, para a antropologia e para a arqueologia portuguesas. A Associação Portuguesa de Antropologia (APA) - a que a SPAE está ligada por um protocolo de cooperação assinado em 1997 - realizará em Lisboa, em Novembro ( 15 a 17), um novo congresso, desta vez subordinado ao tema "Práticas e Terrenos da Antropologia em Portugal". A multiplicidade de temas propostos é bem ilustrativa da varie-dade de temáticas que hoje estão em curso de investigação, afirmando uma disciplina em plena maturidade, não só debruçada sobre a realidade concreta do país, como aberta ao exterior. Tal se demonstra, por exemplo, pela inclusão, nesse congresso, de um seminário sobre aquilo que se está a fazer no Brasil. Portugal dialoga com os seus parceiros - nomeadamente os de países de expressão portuguesa - e "exporta" mesmo os seus investiga-dores para os diferentes pontos do mundo onde a nossa diáspora se fez sentir, e onde temos uma responsabilidade histórica de colaboração, bem distante do comemoracionismo etnocêntrico do passado. A comunidade nacional enriquece-se, aliás, com numerosos contributos de pessoas de toda a parte (simples cidadãos ou conceituados investigadores), que, inte-grando-se nela, ou visitando-a de passagem, ajudam ao estabelecimento da convivência intercultural que será a matriz do próximo século. Também a arqueologia conhecerá, em Setembro (22 a 26), na UTAD - Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro - a efectivação de mais uma importante reunião internacional, o 3.° Congresso de Arqueologia Penin-sular, organizado por aquela Universidade e pela já citada ADECAP. As centenas de comunicações inscritas, a maciça presença de colegas espa-nhóis (mas também de diversos americanos, ingleses, franceses, alemães, italianos, para só citar alguns), o profundo envolvimento da comunidade científica, e igualmente o empenhamento das autoridades centrais e locais, bem como a presença assegurada de inúmeros jovens estudantes, são sinais de que este congresso marcará mais um passo significativo na afirmação da nossa arqueologia, da sua internacionalização, da sua maturi-dade, da sua radicação em todo o território, da sua profissionalização. Aspectos positivos que passam, naturalmente, por um cada vez maior envol-vimento de todos os investigadores ibéricos, e de outros países, em projectos comuns, esbatendo as barreiras administrativas, linguísticas, e sobretudo psicológicas e culturais, que durante tanto tempo tolheram o nosso desenvolvimento e nos confinaram ao anquilosamento metodológico e problemático. A SPAE, em particular, está bastante activa - apesar das suas conhecidas dificuldades estruturais, como sejam a inexistência de uma verdadeira sede, a incapacidade financeira para dispor de um funcionário a tempo inteiro, um certo alheamento dos sócios, que muitas vezes nem as suas quotas pagam, ou, quando o fazem, não participam suficientemente na vida da associação, como se a sua filiação na mesma se reduzisse apenas ao bene-fício de, por essa via, "assinarem" esta sua revista... Em colaboração com outras instituições, como a Faculdade de Letras do Porto, o Instituto Francês da mesma cidade, etc., a SPAE tem trazido a Portugal entidades como o historiador e politólogo Daniel Lindenberg, o jornalista e também politólogo Ignacio Ramonet, o economista e sociólogo Marc Guillaume... todos profes-sores universitários e pensadores marcantes da realidade contemporânea. Longe de se fechar na antropologia ou na arqueologia, que eram a sua matriz tradicional, a associação - tal como esta revista espelha - tornou-se uma entidade voltada para a discussão dos problemas da actualidade nacio-nal e internacional, sem cujo esforço caminharia inelutavelmente para a extinção. Até a própria biblioteca de periódicos, que as condições logísticas da Faculdade de Ciências do Porto tornavam praticamente inacessível aos sócios e demais interessados, está sendo transferida progressivamente, a título de depósito, para a Biblioteca Central da Faculdade de Letras do Porto, graças a um protocolo assinado em 1998 com o Conselho Directivo desta instituição. Esperamos assim que, num futuro próximo, tão rico acervo seja inventariado e disponibilizado como instrumento de trabalho para todos os investigadores que o procurem. A SPAE tem contribuído, também, para a realização, no Porto, das chamadas "mesas redondas de Primavera", das quais apenas a segunda (em Março de 1998, sobre a "arqueologia e os outros patrimónios") não foi da sua iniciativa (mas sim da já citada ADECAP). Sozinha, em Fevereiro de 1997, ou em colaboração com esta outra associação (já em Fevereiro de 1999), a Sociedade tem-se assim preocupado em abrir um outro espaço de diálogo democrático e interdisciplinar, onde não há autores que apresentam comu-nicações ("sábios" que apenas respondem a "perguntas" do "público"), mas onde todos os participantes podem intervir activamente, vendo depois reflectidas em livro as suas ideias, num ambiente de total descontração e de máxima criatividade possível. O facto do primeiro livro - resultante da mesa-redonda de 1997, sobre a problemática actual da arqueologia - ser já aconselhado nas bibliografias universitárias como obra de referência, é significativo de como este modelo de reflexão colectiva corresponde a um real anseio da nossa sociedade. Esperamos que o mesmo venha a suceder com a obra que resultará da mesa-redonda deste ano - sobre a relação entre o património e os media - tão ampla foi a gama dos assuntos tratados, e tão vivo o debate que se gerou. Assim, longe - mau grado toda a divul-gação que fazemos - das "luzes da ribalta", e até por vezes sofrendo de uma certa "distracção" de alguns responsáveis e dos próprios meios de comuni-cação social - para quem parece que os acontecimentos significativos se reduzem a certas realidades, não raro propagandísticas, que auto-produzem em circuito fechado - vamos fazendo o trabalho de fundo que cria uma comunidade, que gera e fixa um público, que dinamiza os jovens e os demais cidadãos, que sedimenta a cultura de um país - assumindo-se como um foco de educação cívica. Por isso preparamos já a quarta mesa-redonda para Março de 2000, acreditando que a própria ciclicidade do evento - e a sua cada vez maior abrangência temática - acabará por trazer ao Porto um número crescente de pessoas interessadas em discutir as questões do ambiente, do património cultural, do desenvolvimento sustentável, tendo como motivação as próprias virtualidades do diálogo, o interesse dos assuntos em si, e não a promoção de protagonismos individuais, que só são legítimos se forem amplamente partilhados. Não desconhecemos - isso seria uma total cegueira - que estamos numa sociedade do efémero, traba-lhada por poderosos lobbies invisíveis, mas acreditamos nos valores do trabalho continuado e na potencialidade da concretização de acções que, se multiplicadas, podem contribuir para contrariar o perigo que espreita as democracias: a tendência demagógica para os "efeitos de enunciação", para a auto-propaganda, para o carreirismo pessoal, para a formação de clien-telas, tanto mais perversas quanto utilizam os ardis da inteligência e se revestem dos artifícios da isenção. Ao pragmatismo do "vale tudo" dos aparelhos tentaremos continuar a contrapor o pragmatismo das acções participativas de base democrática, onde se gera a consciência crítica, o inconformismo, a rebeldia construtiva. A satisfação dos públicos que se acercam do que fazemos e, em particular, a generosidade e alegria dos jovens, que na nossa esteira e de tantos outros, multiplicam as suas próprias iniciativas por todo o país, são a nossa recompensa. E assim prosseguimos. Porto, Março de 1999 Vítor Oliveira Jorge |
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Preâmbulo Lembrança do Zby Vítor Oliveira Jorge A violência "hard" e a violência "soft". Exercício para uma teoria crítica das violências Cândido da Agra O pensamento dos selvagens Tito Cardoso e Cunha Outros mapas: impactes sócio-culturais e antropologia de urgência Paulo Castro Seixas On the embedment of classical models of dichotomy in modem anthropology: the case of literacy studies Manuel João Ramos Antropologia portuguesa. A opção etno-folclorista e o Estado Novo Alice Duarte Um pequeno enigma em clave de incesto Francisco Vaz da Silva Mineiros ou minados: trajectórias biográficas e sistema paternalista no lugar do Lousa! Paula Rodrigues Thee entrance fee in Vipasca baths: women - I as; men - half an as Maria Pilar Reis V Á R I A Que é a arqueologia? Vítor Oliveira Jorge La vallée de la Côa, par ou caule l'histoire Vítor Oliveira Jorge Rio Côa, património aberto à humanidade Vítor Oliveira Jorge Produtos multimedia de conteúdo cultural Maria Isabel Guimarães Costeira |