número 41 (3-4) / 2001
Temos a satisfação de terminar mais um volume dos TAE (41, o último do actual triénio desta direcção: 99-00-01) com autores e trabalhos em que, a par de nomes "da casa" (H. G. de Araújo, além de mim próprio, ambos dos corpos sociais da SPAE), encontramos outras pessoas de grande valia (não nos compete julgarmo-nos a nós mesmos, como é óbvio): investigadores de universidades portuguesas (como as nossas colegas da Univ. do Minho), autores da América Latina (aspecto de colaboração que queremos continuar a desenvolver) e dois professores franceses que, a nosso convite, e com o apoio do Instituto Francês do Porto/Embaixada Francesa (instituições que vêm desenvolvendo e permitindo notória acção cultural) apresentaram conferências na Faculdade de Letras do Porto e no Instituto Francês da mesma cidade: Marc Guillaume (em 1999) e Alain Testart (em 2000), com a colaboração da SPAE. Marc Guilaume é um economista com larga formação filosófica, como testemunham os seus estimulantes livros que, mais uma vez sugiro, deveriam ser traduzidos em Portugal. Parece impossível não se ter ainda descoberto o brilho extraordinário do seu pensamento (a Porto 2001 convidou-o a fazer uma conferência, na sequência da sua presença aqui em 99). Cito de momento apenas dois: um, composto de colaboração com Jean Baudrillard, "Figures de I'Altérité", de 1994; outro, mais recente, de sua plena autoria, designado "L'Empire des Réseaux" (1999). Ambos são editados pela firma a que este professor da Universidade de Paris se encontra ligado: Descartes & Cie: www.editions-descartes.fr. Como se costuma dizer, e com o devido respeito: a ler, já! Alain Testart é um antropólogo que trabalha no Laboratoire d'Anthropo-logie Sociale, de Paris. Autor que, ao arrepio de tantos dos seus colegas, continua a interessar-se pelo que tradicionalmente se designam as "socie-dades primitivas"... tal como o pré-historiador. E por isso procura tanto os arqueólogos; e por isso em breve levaremos a cabo uma iniciativa juntos, que será anunciada a seu tempo. Estudioso de aspectos da economia, da sociedade, da religião, da simbologia, visa uma perspectiva de conjunto comparativa das sociedades "simples" a partir de um vasto inquérito que conduz. Mas fá-lo com grande sentido crítico e enorme rigor, longe de facilitismos ou superficialidades, e sabendo que pisa um terreno "minado". É fascinante. Ainda nos lembramos quando, nos inícios dos anos 80, publicou o seu livro "Os Caçadores-Recolectores ou a Origem da Desigualdades" (também totalmente desconhecido em Portugal, fora de um restrito círculo), em que chamava a importância para o papel crítico que pode ter tido a capacidade de armazenamento de alimentos na sedentarização das comu-nidades, na mudança de relação com o território e na emergência de certos valores. Mudança radical, em que a história se desdobraria em duas (o antes, o depois), e que muitos, teimosamente, continuam apenas a ligar às práticas agro-pastoris, como se a estas se reduzisse o longuíssimo processo de "domesticação do mundo" que o Homo sapiens sapiens encetou, há umas dezenas de milhares de anos, e que haveria de culminar na sociedade "global" actual, funcionando em rede, e construída sobre o modelo da metrópole infinita. Pensar nestas questões, é pensar o sentido da história e o sentido da actualidade: duas faces da mesma moeda. Talvez bem simbolizadas no artigo da nossa colega Rita Amaral, do Brasil, que tenta esboçar todo um novo comportamento e terminologia ligados ao uso da Internet. Um meio e não um fim, por certo - pois que extremamente poderoso para quem "já sabe", potencialmente alienante para quem ainda "não sabe", como Guillaume lembrou recentemente no Porto. Pensar essas e outras questões aqui, no espaço acolhedor da SPAE e dos TAE, é fazê-lo fora dos grandes palcos culturais "mediáticos". É realizar um "trabalho de sapa", que não aspira à fama nem à fortuna, mas tem o seu caminho próprio. Porque actua em função de uma ideia de continuidade, de persistência, e de auto-recompensa pelo consciência do esforço conse-quente e útil, e sobretudo por uma utopia de associativismo, de comuni-dade. Quanto mais não seja, a dos que lêem e colaboram nesta revista... Como escreve Rita, hoje, com a Internet e os computadores portáteis, até mesmo a imagem do antropólogo sertaneio, completamente despaisado, parece do passado. Será? Ou será que nos aeroportos de todo o mundo nos continuamos a cruzar em magotes com os nossos semelhantes, e por vezes, numa breve troca de olhares, podemos adivinhar no outro (tornado uma variante do mesmo) idêntica nostalgia e idêntico desemparo?... Porto, Abril de 2001 Vítor Oliveira Jorge |
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Preâmbulo Les fonctions sociales du patrimoine Marc Guillaume Antropologia: preguntas y respuestas sobre la etica profesional Beatriz Kalinsky Antropologia e Internet. Pesquisa e campo no meio virtual Rita Amaral Deux politiques funéraires Alan Testart A saúde no prisma dos valores da modernidade Maria Engracia Leandro O "Sacrifício" na comunidade internacional. O caso de Timor Loro Sae Henrique Gomes de Araújo Coisas de Orixás: notas sobre o processo transformativo da cultura material dos cultos afro-brasileiros Rita Amaral Sobre las pautas migratorias de los Chiriguano Federico Bossert, Diego Villar V Á R I A As traves mestras da confraria do Santíssimo Sacramento da Igreja da Misericórdia de Vila Viçosa: o compromisso de 1612 Maria Marta Lobo de Araújo John Rawls 80 years Andreas Follesdal Pensamentos ocasionais (1998-2001) Vítor Oliveira Jorge A propósito de "megálitos". Comentário pontual (corrigenda) a parte de um debate incluído em livro recente Vítor Oliveira Jorge |