número 40 (1-2) / 2000
Caro leitor: é com satisfação que iniciamos um novo século (eis o que se pode chamar optimismo!) de publicação dos "Trabalhos de Antropologia e Etnologia" com um volume tão rico, e diversificado, como este. Com a ajuda da Internet temos vindo a contactar colegas de outras áreas do mundo, a quem deviam ligar-nos laços de colaboração constante, como sejam os que trabalham na América central e do sul - e este tomo já reflecte um pouco essa abertura de perspectivas, que esperamos se alargue de futuro. Compensamos também desse modo certa dificuldade que encontramos no meio português de, todos os seis meses, lançarmos uma revista de qualidade, onde gostaríamos que participassem as nossas "figuras" mais representativas da área das ciências sociais e humanas. Estas, compreensi-velmente, andam todas numa azáfama imensa - somos um país pequeno, e a nossa "massa crítica" é ainda limitada - sendo preciso exercer uma militância verdadeiramente tenaz para conseguir, passados meses ou anos de insistência, um texto de algumas dessas figuras. Se elas lerem este preâmbulo, sabem a quem me refiro, e talvez tenham um pequeno sobressalto, lembrando-se de quantas vezes me prometeram colaborar... olhem, o meu endereço e-mail é: vojsoj @mail.telepac.pt- mandem já, antes que o complexo de culpa vos passe! As pessoas perguntam muitas vezes por prazos - até quando podem enviar um original. Não há prazos nos TAE - eles estão em "fabricação" constante. Quando um texto chega e é decidida a sua publicação, segue de imediato para a litografia. Se ainda "entra" nas c. de 200 pp. que cada tomo contém (saem dois tomos - fascs. 1/2 e fascs. 3/4 - por ano, compondo o volume anual), é automaticamente inserto no tomo que está em prepa-ração; se não, fica para o seguinte. O que não impede que o autor vá corri-gindo provas, etc. Assumimos o risco inerente a este ritmo, óbvio numa pequena associação que tem de depender de subsídios para desenvolver as suas actividades, entre as quais a principal é a edição dos TAE. Só com aquela dinâmica se consegue entusiasmar as pessoas a cola-borar, num projecto que não tem fins lucrativos. O que os autores "ganham", ao participarem nos TAE, para além da certeza de uma certa expansão dos seus trabalhos, é evidentemente a rapidez - convenhamos, invulgar - com que os seus textos são publicados, encontrando rapidamente o público para que, em princípio, foram escritos. Se esta é a nossa preocu-pação n.° 1, é porque sabemos quão frustrante é ficar anos à espera da divulgação dos resultados de um trabalho intelectual que, as mais das vezes, não tem outra compensação que não seja o prazer (misturado com o sofri-mento!) da sua elaboração - e, já agora, pronta publicação. Quanto às características dos textos, somos o mais abertos possível. O que nos importa é que tenham qualidade, e, sendo "estudos" (versus "ensaios"), não apresentem um carácter demasiado analítico-descritivo, mas procurem ser estimulantes para um especialista de outra disciplina ou para uma pessoa genericamente interessada em ciências sociais e humanas. Colaborações "incómodas", sem serem panfletárias, temáticas transversais, tocando em "nós" problemáticos estratégicos, sem serem simplistas ou superficiais, eis o que mais nos importa. No fundo, interessam-nos reflexões feitas por cientistas sociais empenhados nas questões e controvérsias da actualidade. Que o título da publicação não engane: esta não é apenas uma revista de Antropologia cultural e social. Mantemos a sua designação por uma questão de tradição, mas o conteúdo evoluíu muito desde o tempo dos velhos TAE dirigidos pelo Prof. Santos Júnior (antes de 1985). O facto dos TAE terem publicado as Actas do 1.° Congresso de Arqueologia Peninsular, entre 1993 e 95, foi também uma realidade circunstancial - de outro modo, não nos teria sido possível editar essas Actas (8 vols!) e manter a revista, com os recursos de que dispúnhamos. Recentemente (jornal Público de 3.9.99), na sua apetecida crónica diária de última página, Eduardo Prado Coelho referiu-se à revista em termos elogiosos - atitude de louvar neste país, onde os estímulos sào raros! Trans-crevo esse passo, apesar de ser um pouco longo: "Sabe-se como a Etnologia tem evoluído num alargamento de interesses que nem se sabe bem onde vai parar. Basta ler essa excelente publicação que são os "Trabalhos de Antropologia e Etnologia", dirigida por Vítor Oliveira Jorge, para ficarmos a saber que, no meio de textos de perfil tradicional, encontramos hoje facil-mente reflexões sobre política, filosofia ou literatura. Uma certa tendência da antropologia pós-moderna (com Clifford Geertz ou James Clifford) cria indecisas zonas de fronteira entre antropologia e literatura. "Porque a antiga pesquisa no terreno junto de sociedades suposta-mente 'primitivas' foi perdendo a razão de ser e exauriu-se por falta de objectos, e hoje faz mais sentido uma antropologia do mundo moderno, com as suas tribos e os seus rituais." Tem E. P. Coelho basicamente razão, mas não se deve confundir a evolução interna dos TAE para uma revista de ciências sociais e humanas, e de problemáticas actuais (uma revista de "cultura"), com qualquer transfor-mação mais ampla da Antropologia portuguesa, por ex., onde há diversas revistas que prosseguem, e muito bem, a sua vocação exclusivamente antropológica - casos das publicações periódicas do ISCTE, da UNL (2), da FLUL, da Univ. de Coimbra, ou da Univ. F. Pessoa, no Porto. Aliás, Portugal é um terreno onde a Antropologia propriamente dita ("pós-moderna" ou outra, o que importa é que se exerça em condições de seriedade e rigor científico) tem muito para fazer, tanto mais que antes do 25 de Abril a Antro-pologia mal existia entre nós. Há uma grande opacidade de Portugal para si mesmo, resultante de décadas de inoperância das ciências sociais - para já não falar do muito que há a realizar nos terrenos extra-portugueses por onde a nossa história passou - atentemos em Timor, por ex. Mas também parece desejável que Antropologia, Sociologia e outras ciências sociais, que são naturalmente compartimentações disciplinares tradicionais, se fundam cada vez mais em perspectivas transdisciplinares do país. Acrescento ainda, a terminar, que gostaríamos que os autores manti-vessem com a revista e com a SPAE, mesmo após a publicação dos seus textos e a recepção do respectivo volume, um diálogo mais constante. É triste que um(a) colega, uma vez publicado o seu trabalho, nem sequer nos envie um cartão a acusar a recepção da revista, ou a dizer se gostou da forma como o seu texto saíu, como já tem acontecido! Os TAE procuram ser um espaço de diálogo, e não um expediente de publicação "por corres-pondência". Mas, nos tempos que correm, haverá já algo que nos surpreenda?... Temos de ter uma certa dose de bom senso e alguma dedicação para entrarmos assim audazmente por mais um século dentro, mesmo com a consciência crescente da nossa solidão. Porto, Novembro de 1999 Vítor Oliveira Jorge |
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